Sexta-feira, 11 de julho de 2025 - Por Brunna Aprigio | Rafael Brandão
"A criatividade está na mediação", diz Jônatas Manzolli sobre cocriações de humanos e máquinas
Pela primeira vez, Conferência Internacional sobre Criatividade Computacional foi realizada na América Latina
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A Unicamp foi sede da 16ª Conferência Internacional sobre Criatividade Computacional (ICCC) na primeira vez em que o evento foi realizado na América Latina. Entre os dias 23 e 27 de junho, o Centro de Convenções da Universidade reuniu pesquisadores de diversas partes do mundo para discutir os rumos e desafios da criatividade computacional - tema que, embora não seja novo, tem sido central no debate público com a introdução dos modelos de inteligência artificial generativa mais recentes, como o Chat GPT e sistemas que criam códigos, imagens, vídeos e sons a partir de prompts. Desde 2010, a ICCC é promovida pela Association for Computational Creativity (ACC), entidade sem fins lucrativos que busca promover o avanço da criatividade computacional tanto como disciplina científica quanto como tecnologia socialmente relevante. Na Unicamp, a Conferência foi organizada pelo Núcleo Interdisciplinar de Comunicação Sonora (NICS), em parceria com o Centro de Tecnologia da Informação (CTI) Renato Archer. O encontro de 2025 marcou a expansão do debate sobre o tema para o Cone Sul, abrindo espaço para a articulação de redes de pesquisa e formação na região. Para o professor Jônatas Manzolli, principal palestrante da conferência e ex-coordenador do NICS, o momento atual exige mais reflexão crítica do que fascínio técnico. "Mais do que usar ferramentas prontas, a criatividade computacional exige refletir sobre o que é ser criativo, como os processos funcionam e quais técnicas realmente ampliam nossas capacidades", afirma. Em entrevista concedida ao Portal da COCEN, Manzolli discutiu a importância de consolidar o campo na América Latina, defendeu a inserção da criatividade computacional em diferentes áreas do conhecimento e destacou a necessidade de formar pesquisadores capazes de pensar os fundamentos dessas tecnologias. "A primeira habilidade é a crítica. É preciso estudar filosofia antes de aplicar os métodos", argumenta. -- Portal da COCEN - A Conferência Internacional sobre Criatividade Computacional foi realizada pela primeira vez na América Latina. Qual a importância desse evento para a região e como ele pode influenciar o progresso da pesquisa na área? Jônatas Manzolli - É uma grande oportunidade. Fala-se muito em inteligência artificial, mas esse termo se transformou mais em uma espécie de branding, sem referência que de fato traz noção das ferramentas com que estamos trabalhando. Já a criatividade computacional é uma área de pesquisa consolidada, com massa crítica internacional, onde diferentes técnicas de linguagem, movimento e interação convergem com base teórica. Trazer a conferência para cá foi uma forma de dar visibilidade à América Latina, especialmente ao Cone Sul, e permitir que esses métodos e reflexões também se propaguem por aqui. Isso atrai pesquisadores e ajuda a construir um discurso mais consistente sobre o tema. É algo importante também para os jovens que estão começando. Na Unicamp, temos tradição nessa área com o próprio NICS. Há décadas o núcleo trabalha com computação musical, que pode ser vista como um ramo da criatividade computacional. O evento reforça essa trajetória. Portal da COCEN - A criatividade computacional pode ser considerada uma área de nicho nas universidades? Jônatas Manzolli - Em parte, sim, em parte não. Acredito que logo vai surgir aqui na América Latina uma "cadeira" de criatividade computacional - como já existe, por exemplo, design computacional em departamentos de engenharia e outros. Se deixarmos de lado a questão terminológica, percebemos que o uso do computador na criação artística e científica está cada vez mais presente em várias áreas. A criatividade computacional, no entanto, é mais do que isso: é uma área de estudo específica, que busca desenvolver os métodos de criação, pensar os conceitos subjacentes a esses processos e avaliar criticamente sua eficácia. Hoje, há uma camada de usuários que apenas consome ferramentas sem refletir sobre os mecanismos que as sustentam. A criatividade computacional propõe o contrário: é uma investigação conceitual sobre o que significa criar com máquinas, como esses sistemas funcionam, quais técnicas são mais adequadas e por quê. Portal da COCEN - Existe algum norte conceitual ou manifesto sobre os rumos desejados para esse campo? Jônatas Manzolli - A Association for Computational Creativity tem uma concepção ampla sobre o tema. O ponto de partida é perguntar o que é criatividade. No entanto, em vez de perguntar "quem é criativo?", a questão central é: "onde está a criatividade?". A criatividade computacional entende que ela não reside apenas em alguém ou em um processo isolado, mas na mediação - no sistema que emerge da interação entre métodos computacionais e sujeitos humanos. Esse sistema é criativo. O que está em voga hoje é a cocriação: a colaboração homem-máquina em processos criativos, como a escrita, a geração de imagens ou a composição musical. Nesse contexto, o sistema que permite esse diálogo se torne o foco da análise. Portal da COCEN - Quais habilidades são primordiais para jovens pesquisadores e profissionais interessados na área? Jônatas Manzolli - A primeira é a crítica. É preciso estudar filosofia, sobretudo filosofia da mente, para entender o que é criatividade. Só depois vêm os métodos. Hoje, as ferramentas são acessíveis, mas o mais urgente é refletir sobre o que estamos fazendo com elas. Quem trabalha com prompts, por exemplo, precisa ser capaz de formular bem seus objetivos e avaliar criticamente os resultados. Isso exige clareza conceitual e autonomia intelectual. A criatividade computacional demanda justamente essa capacidade crítica. Por isso, acho importante que essa área esteja presente não só nos cursos de informática, mas também nas artes e em outros campos.
Imagem: Em 1999, Jornal da Unicamp destacou o projeto inovador de composição musical por computador desenvolvido por Manzolli. Em 1999, Jornal da Unicamp destacou o projeto inovador de composição musical por computador desenvolvido por Manzolli.
Portal da COCEN - Você trabalha com ambientes interativos e inteligência artificial há décadas. Como os recentes avanços em modelos de linguagem impactam esses sistemas? Estamos apenas aprimorando ferramentas já existentes ou se trata de uma ruptura? Jônatas Manzolli - Acho que, no essencial, não muda tanto. O que houve foi uma massificação das ferramentas. O mais relevante é que precisamos ser cada vez mais críticos com o que usamos e como usamos. Há mudanças estruturais, claro — os computadores estão mais rápidos, as interações também. Mas é preciso lembrar que muitos desses modelos consomem quantidades imensas de energia. Usar IA exige pensar também no custo energético e nas alternativas possíveis. Por isso, mais do que fascínio com a tecnologia, é preciso conhecimento sobre seu funcionamento. Só assim vamos conseguir desenvolver novas técnicas, mais sustentáveis.

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