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Quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023 - Por Rafael Brandão
"Precisamos trabalhar a assertividade dos alertas", diz meteorologista do Cepagri sobre tragédia no litoral norte
Pessoas que vivem nas áreas de risco precisam de acolhimento do poder público para deslocamentos emergenciais, diz Ana Ávila
Imagem: Rovena Rosa - Agência Brasil
Rovena Rosa - Agência Brasil
Nos últimos anos, as previsões meteorológicas vêm se tornando cada vez mais efetivas. A ampliação da base de dados disponíveis para análise, a incorporação de ferramentas de inteligência artificial e outros avanços tecnológicos vêm aumentando significativamente a confiabilidade das previsões do tempo - que, evidentemente, não são exercícios de futurologia, mas indicam, com base científica, eventos prováveis. Às vezes, muito prováveis, como diversos alertas já haviam indicado no caso dos temporais extremos que atingiram o litoral norte de São Paulo no último fim de semana, tragédia que já registrava quase 50 mortes nesta quinta-feira (23). Segundo o G1, a prefeitura de São Sebastião evitou divulgar alertas para não afastar turistas. "Os modelos já indicavam, com alguns dias, persistentemente, alta possibilidade de chuvas intensas durante o fim de semana", diz a meteorologista do Cepagri/COCEN, Ana Ávila. "Eu acompanhei a previsão e sabia que as pessoas estavam se expondo a um risco muito grande. Existe um trabalho que a gente precisa fazer, em todas as instâncias, de conscientização, de assertividade dos nossos alertas. Nós não temos ainda essa cultura de eventos extremos aqui no Brasil", diz a meteorologista, acrescentando que "em outros países, isso é diferente. Nos Estados Unidos, por exemplo, os alertas são muito assertivos e seguidos à risca", complementa. Sobre a crônica questão da ocupação de áreas de risco, que remete à história mais ampla de desigualdades sociais brasileiras, Ana Ávila diz que, nos casos emergenciais, as pessoas que vivem nessas áreas precisam de acolhimento e suporte logístico do poder público para se deslocar com segurança. "Não basta dizer: 'busque abrigo, saia de sua casa'.
Ana Ávila, meteorologista do Cepagri/COCEN
Essa foi a maior chuva já registrada em 24 horas no país? Essa informação veio de uma instituição confiável, o Cemaden, que trabalha com dados do Brasil inteiro. Mas evidentemente isso reflete as séries temporais que nós temos disponíveis. O Brasil tem um desafio muito grande na coleta de dados em algumas regiões. Nós temos áreas que são bastante desprovidas de informações, como na região amazônica, na área do cerrado, na região do centro-oeste. Então, temos algumas áreas sem medição. O Brasil é um país de dimensões continentais, com diversos climas e fenômenos meteorológicos que atuam em diferentes momentos, bastante intensos. Então, esses dados do Cemaden refletem o que a gente tem disponível. Mas, naquela região, são esperados em torno de 300 mm durante todo o mês de fevereiro. Isso é a média. E tivemos 680 mm em praticamente 24 horas. É muita chuva. O que pode explicar a falha dos agentes públicos na resposta aos graves alertas que haviam sido recebidos? Existem vários fatores. Nesse caso, até uma questão econômica. Trata-se de um local turístico. Então, como fazer as pessoas evitarem se deslocar, tomarem a decisão de não ir para o litoral? Digamos que você já fez uma reserva, de repente você recebe um alerta dizendo: "não vá". Será que vai confiar? Isso é diferente em outros países. Nos Estados Unidos, por exemplo, é uma coisa muito séria. Os alertas são seguidos à risca e são muito assertivos. Nesse caso, como eu acompanhei a previsão, eu sabia que as pessoas estavam se expondo a um risco muito grande. Os modelos já indicavam há alguns dias, persistentemente, alta possibilidade de chuvas intensas durante o fim de semana. Então, existe um trabalho que a gente precisa fazer em todas as instâncias nesse sentido, de conscientização, de assertividade dos nossos alertas. Nós não temos, aqui no Brasil, essa cultura dos eventos extremos. Estamos trabalhando nisso. Há toda uma questão, por exemplo, de logística para o deslocamento das pessoas, que não é bem desenvolvida aqui por não termos essa cultura. E o meteorologista também não pode ficar dando alerta para tudo. Isso é um desafio muito grande, essa questão da emissão assertiva do alerta. Como equacionar a questão das gerações de pessoas que vivem em áreas de risco no país? De norte a sul do país, em várias cidades, existem estudos que indicam haver cerca de 10 milhões de pessoas em áreas de risco. A longo prazo, a gente precisa pensar na questão do planejamento urbano para a retirada das pessoas dessas áreas. Mas, paralelamente, existe a situação do risco imediato, que pode ocorrer novamente em qualquer localidade. Nesses casos, as pessoas precisam ter um suporte do poder público para que possam ser deslocadas com todo o respeito e atenção, e ter para onde ir. As pessoas desconhecem o risco real a que estão expostas. É preciso transmitir segurança de que elas vão para um lugar temporário, mas podem retornar. Muitas vezes, são pessoas que podem estar com problemas de saúde que dificultam a locomoção, têm animais de estimação, então é preciso ter um acolhimento, não simplesmente dizer "busque abrigo, saia de sua casa". Esse é um trabalho que precisa ser feito. O que explica, do ponto de vista meteorológico, esse fenômeno tão extremo? Foram vários fenômenos meteorológicos que aconteceram ao mesmo tempo. Tivemos uma frente fria com bastante intensidade que se deslocou do sul do país e veio acompanhada de uma massa de ar mais frio. Estávamos com altas temperaturas na região - o ar quente e úmido, vindo tanto do oceano atlântico norte quanto da região amazônica. E também os fatores locais: a serra do mar, que bloqueia as nuvens, e o oceano atlântico, que aqui na costa do país está um grau, em média, acima do normal. Havia a previsão de que essa frente fria ficaria estacionária no litoral. E quando houve o encontro com essas massas de ar quentes e úmidas vindas do norte, houve a formação de nuvens intensas. Essas nuvens sobem rapidamente. Esses fenômenos meteorológicos que atuaram conjuntamente propiciaram essa chuva intensa que ocorreu aqui no estado de São Paulo. Se a alta das temperaturas do oceano influenciam, existe relação nítida com as mudanças climáticas globais? Com as mudanças climáticas globais em curso, as temperaturas mais elevadas favorecem essa formação de nuvens e chuvas intensas, concentradas em curtos períodos de tempo. Com o oceano aquecido, há um potencial de formação de nuvens mais intensas, ou seja, uma evaporação maior. Vale lembrar que as cidades próximas ao litoral são as áreas de maior risco, por causa do aquecimento das águas dos oceanos e do aumento do nível do mar. E as cidades, os grandes centros urbanos, têm o maior risco. As áreas mais vulneráveis são as ocupações em áreas próximas às regiões de morro, onde temos o deslizamento, o solo totalmente encharcado. Vimos agora que até árvores foram carregadas.
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