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Terça-feira, 18 de julho de 2023 - Por Rafael Brandão
"A divulgação precisa ser institucionalizada na ciência", diz Sabine Righetti, vencedora do Prêmio José Reis
Jornalista e pesquisadora do Labjor/NUDECRI, Sabine fala sobre negacionismo, divulgação científica e mais
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"No jornalismo científico, esse é o maior reconhecimento que se pode receber", diz Sabine Righetti sobre o Prêmio José Reis. Foto: Wanezza Soares.
No ano em que completa 20 anos de carreira, a jornalista e pesquisadora do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da Unicamp (Labjor/NUDECRI), Sabine Righetti, foi a vencedora do 43º Prêmio José Reis de Divulgação Científica e Tecnológica. A cerimônia de premiação acontecerá durante a 75ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), entre 23 e 29 de julho, em Curitiba, na Universidade Federal do Paraná (UFPR). "No jornalismo científico, esse é o maior reconhecimento que se pode receber. Comparo com o Grammy e o Oscar porque não há outra premiação que chegue perto em termos de abrangência. É uma grande honra", diz Sabine, que atualmente está trabalhando em um livro sobre negacionismo, com o cienciometrista Estevão Gamba, e em outro sobre formação universitária e escolha de carreira, com o ex-reitor da Unicamp Marcelo Knobel. Em entrevista ao Portal da COCEN, Sabine fala sobre sua trajetória no jornalismo e na pesquisa, além de abordar questões como o fenômeno do negacionismo e os desafios da divulgação científica nos tempos atuais. "Só vamos conseguir mudar nossa cultura científica quando a divulgação for institucionalizada e valorizada de fato como parte da carreira acadêmica", diz Sabine, referindo-se à dificuldade ainda enfrentada por divulgadores na tentativa de contato com cientistas. "Enquanto a gente não conseguir incluir a divulgação na avaliação de carreira, na progressão, no concurso público, no pedido para a agência de fomento, alguns cientistas tendem a enxergá-la como trabalho extra, para ser feito apenas caso sobre tempo", frisa a pesquisadora, que lançou há três anos a Agência Bori, pioneira no apoio à cobertura científica pela imprensa no Brasil. Antes do José Reis, Sabine já havia recebido os prêmios Folha de Jornalismo, Estácio de Jornalismo e Jornalistas Especialistas - Educação, além de finalista do Prêmio Jabuti, na categoria Educação, Psicologia e Psicanálise. Confira abaixo a entrevista. Portal da COCEN - Como se iniciou sua aproximação com o jornalismo científico? Sabine Righetti - Quando penso em minha trajetória no jornalismo científico, lembro de pessoas que foram muito importantes para que eu seguisse esse caminho. Quando entrei no curso de jornalismo, na Unesp, em Bauru, eu não pensava em seguir essa especialidade. Assim como a maioria da população, eu tive uma educação científica de base muito ruim. Nunca tive um laboratório na escola. Existia certo distanciamento, a ciência não era um assunto para mim. Eu entrei no jornalismo porque gostava muito de escrever, mas daí a saber qual carreira seguir é um grande salto. É uma loucura decidir sua carreira dessa maneira, mas no Brasil a gente faz isso, precisa escolher muito cedo, antes de entrar na universidade. Aconteceu que no início do curso eu estava procurando trabalho, e o professor de história Célio Losnak me convidou para fazer pesquisa. Era algo que eu também não conhecia muito bem como funcionava, mas topei e ganhei uma bolsa Fapesp de Iniciação Científica. Isso foi em 2000. A partir desse trabalho, comecei a receber em casa a Revista Fapesp. Lembro que, quando eu li a revista, pensei: "é esse jornalismo que eu quero fazer". Foi ali que eu me dei conta de quantas iniciativas incríveis existiam na ciência nacional e eu não conhecia. Então sugeri ao professor de jornalismo especializado Ricardo Alexino, que hoje está na USP, que ensinasse jornalismo científico, porque nesse momento eu já queria seguir essa especialidade. E foi ele que me recomendou a especialização em Jornalismo Científico do Labjor, que eu não conhecia. Entrei na terceira turma, logo depois de me formar. Nesse período, a Simone Pallone, que já era pesquisadora do Labjor-Unicamp, me ajudou muito e sugeriu que eu tentasse uma bolsa de Mídia Ciência no Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT) da Unicamp, onde depois acabei fazendo mestrado e doutorado. Minha bolsa Mídia Ciência teve supervisão do professor Carlos Vogt, criador do Labjor, grande mentor da minha carreira acadêmica e jornalística. Então, fui desenhando minha trajetória apoiada em pessoas que me puxaram para esse caminho, de onde nunca mais saí e pelo qual me apaixono cada vez mais. Na apresentação da cerimônia de premiação do José Reis quero destacar essas pessoas que foram tão importantes para mim. Como vê o contexto do jornalismo científico hoje no país, em comparação com esse momento em que você começou a carreira? Ao contrário do que algumas pessoas dizem, não me parece que o jornalismo de ciência especificamente tenha se reduzido. A redução de equipes, com jornalistas sobrecarregados, atingiu o jornalismo e as redações como um todo, em todas as editorias. Mas em relação à divulgação científica de maneira mais ampla, eu vejo muito mais iniciativas atualmente. Temos podcasts, blogs, redes sociais. Acho que o conhecimento científico circula muito mais hoje do que quando eu comecei. Então, ao mesmo tempo em que há menos mercado de trabalho para a especialidade nas redações jornalísticas, o campo da divulgação científica em geral está mais amplo, com vários projetos que incorporam jornalistas. Um de seus projetos recentes de maior destaque é a Agência Bori. Como surgiu a ideia? Quando entrei na Folha de S. Paulo, recebi a tarefa de cobrir a ciência brasileira. Eu já sabia que a produção científica nacional era gigantesca, mas tinha dificuldade para encontrar pautas. Onde estavam as novidades? Como acessar os cientistas? Meus colegas que cobriam ciência internacional tinham bem mais facilidade, porque utilizavam ferramentas como a EurekAlert, da Sociedade Americana para o Progresso da Ciência, que resume artigos científicos e insere o contato de fontes preparadas para falar com a imprensa. Então, desde essa época eu pensei na ideia de criar um "EurekAlert do Brasil". E como foi o processo de tirar a ideia do papel? Foi um parto (risos). Lembro de comentar com algumas pessoas e as reações eram de ceticismo. "Isso é impossível, até o Ministério da Ciência já tentou lançar um projeto nessa linha, imagina se você vai conseguir". Mas depois eu me juntei à jornalista e cientista Ana Paula Morales, uma grande amiga, que abraçou essa ideia junto comigo. Durante mais ou menos cinco anos, fizemos diversas reuniões com integrantes de entidades como a CAPES e outras, falamos com todo mundo que conseguimos. A gente imaginava que conseguiria o apoio de alguma grande instituição, mas isso não aconteceu. Já em 2017, ou seja, muitos anos depois, a Ana teve a ideia de submeter o projeto ao PIPE (programa da Fapesp que apoia a execução de pesquisa tecnológica em micro, pequenas e médias empresas), já que precisaríamos desenvolver uma tecnologia para a ferramenta. O processo de aprovação no PIPE foi dificílimo. Fizemos pitch, passamos por uma banca de cientistas da computação, fomos aprovadas e conseguimos um primeiro aporte de tecnologia para iniciar o desenvolvimento da ferramenta que viria a se tornar a Agência Bori. Foi daí em diante que o projeto começou a se movimentar. Fechamos parcerias com algumas redes e construímos uma tecnologia para monitorar periódicos, sobretudo na SciELO [Biblioteca Eletrônica Científica Online]. Então, tínhamos a tecnologia, mas ainda precisávamos colocar no ar. Daí, surgiu o Serrapilheira. Aplicamos no primeiro edital deles, em 2018, ganhamos e temos esse apoio até hoje. Assim conseguimos implementar operacionalmente o projeto. Hoje, temos 12 pessoas trabalhando na Bori.
Sabine e Ana Paula Morales, idealizadoras da Agência Bori.
Como foi a resposta da imprensa? O lançamento foi em 2020, duas semanas antes do primeiro caso de coronavírus no Brasil. Então, em especial nesse contexto, a adesão dos jornalistas foi impressionante. Durante o período da pandemia, criamos um banco de fontes, fizemos treinamentos, tudo a pedido de profissionais da imprensa. Crescemos muito rápido e conseguimos novos apoios, como do Instituto Ibirapitanga, do Instituto Sabin, do Google e outros. Hoje, temos cerca de três mil jornalistas que se cadastraram ativamente para receber nosso material. São profissionais do país inteiro, de todas as regiões e todos os tipos de veículos, desde empresas menores e independentes aos maiores conglomerados de mídia. E quanto ao engajamento dos cientistas? Essa questão é bem importante. A gente ainda tem alguma dificuldade com cientistas que negam que seus trabalhos sejam divulgados à imprensa. Cerca de 20% dos pedidos são negados, uma taxa altíssima. Institucionalmente, a divulgação científica não é considerada parte da carreira acadêmica. Além disso, cientistas no Brasil não são treinados durante a sua formação para falar com a imprensa, não existe esse preparo. Enquanto a gente não conseguir incluir a divulgação na avaliação de carreira, na progressão, no concurso público, no pedido para a agência de fomento, alguns cientistas tendem a enxergá-la como trabalho extra, para ser feito apenas caso sobre tempo. Na NSF (National Science Foundation, agência governamental dos Estados Unidos), por exemplo, os cientistas precisam mostrar que estão presentes na sociedade, senão nem conseguem financiamento. Até por isso, é mais fácil falar com cientistas americanos do que com brasileiros, porque eles são preparados, fazem media training na universidade, sabem que isso é importante para a carreira. É mais fácil falar com um prêmio Nobel do que com um cientista brasileiro (risos). Como estratégia de abordagem nas solicitações de entrevistas, começamos a mapear estudos que mostram que, quando um trabalho é divulgado na mídia, seu impacto acadêmico aumenta, porque quanto mais um artigo circula, a chance de ser citado por pares é maior. Começamos a destacar essa questão da altimetria, que alguns periódicos já consideram. Mas o argumento do benefício para a sociedade já deveria ser suficiente. Durante a pandemia, um dos temas que movimentou o debate público foi a proliferação de negacionismo científico, somada às fake news. Como enfrentar esse problema? Estou mergulhada nesse assunto porque estou escrevendo, junto com o pesquisador Estevão Gamba, um livro sobre negacionismo científico para a coleção My News Explica. Há alguns anos, eu achava que tudo era uma questão de educação científica. Ou seja, melhorando a educação científica de base e ampliando a divulgação científica, as pessoas passariam a entender como a ciência é feita e compreender melhor seu papel na sociedade, reduzindo o negacionismo. Mas estamos vendo que não é assim. Países com alta educação científica, como a Alemanha, tiveram parte da população apresentando um comportamento negacionista muito forte, uma resistência à vacina muito maior do que no Brasil. Isso ocorreu em muitos outros países também, mas cito a Alemanha porque é um caso que chama atenção. Participei de uma mesa com alemães na última reunião da SBPC e eles diziam: "Não sabemos o que está acontecendo". Negacionismo em relação à vacina por pessoas altamente escolarizadas? O que está acontecendo? Eu também não tenho essa resposta. Há sinais de que o negacionismo está muito mais ligado a crenças religiosas e a ideologias políticas do que à educação científica. Mas como funciona exatamente esse mecanismo de negação, que acontece mesmo quando se conhece como a ciência funciona? Parte da estratégia negacionista é destacar supostas contradições da ciência para despertar desconfiança da população em relação ao método científico. Como responder a isso? A gente fez um estudo sobre a CPI da Covid que mostrou o seguinte: os negacionistas mencionaram muito mais referências científicas do que os pró-ciência, mas usavam essas citações justamente para mostrar supostas contradições, ou para trazer estudos preliminares que confirmassem sua visão. Isso aconteceu muito. Só que, se a gente tem uma educação científica de base forte, experimental, desde a escola, a gente entende que a ciência é um processo - e que, portanto, está evoluindo, é um processo natural. Esse é um aspecto. Mas ainda assim, como eu exemplifiquei no caso da Alemanha, uma população com alta educação científica pode apresentar comportamentos negacionistas. Há estudos mostrando que eventualmente pessoas compartilham conteúdos mesmo sabendo que são falsos. Esse é um dos grandes assuntos do jornalismo de ciência e da divulgação científica neste momento, entender o que está acontecendo e o que podemos fazer.
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